sexta-feira, 16 de julho de 2010

O melro fodilhão


Num pomar junto ao rio, uma pêra cansada de ser bicada por um melro de bico amarelo, resolve pulverizar-se de um pó específico capaz de criar um desarranjo intestinal grave. O melro, conhecidíssimo no círculo dos pomares, pelo artista que gosta de mandar uma bicadas e de seguida pôr-se ao fresco. É um melro bem tratado, faz ginásio, tem cuidado com alimentação e trata a pele como um verdadeiro galã de cinema. Creme de limpeza ao deitar e mais um creme especial contra os raios ultra-violetas para o dia, entre outras muitas coisas. Este melro, vivia da vaidade, armado em fodilhão, não havia pêra que escapasse. Mais uma vez, como quem não quer a coisa, a assobiar, pousou suas patas na pêra ainda a desabrochar para a vida, e sem apelo nem agravo, mandou-lhe com o bico às entranhas. A pêra nem se mexeu, acreditava que o tratante desta vez iria apanhar um valente susto, daqueles de verter os intestinos. No pomar, as peras sabedoras do que a sua colega passava com o melro de bico amarelo mantiveram-se em silêncio. Satisfez-se, e em cada bicada uma laracha, a vida era afinal de contas feita para melros como ele: bonito, de bico amarelo, não de bico preto ou castanho, amarelo vivo. Levantou voo, desenhando movimentos acrobáticos, pelo ar. Coisa de fazer inveja aos Ases de Portugal, e em cada pirueta um sorriso novo. Começa a subir a pique em direcção ao céu, mais do que nunca sentia que tinha todas as peras com os olhos postos nele. Começou a sentir um problema nas entranhas, o pozinho anti-fodilhão estava a fazer o seu trabalho, começou a fazer uns ruídos estranhos, e a largar uns resíduos pouco espessos pela parte traseira. Em grande velocidade e em dificuldades desceu até ao sopé de uma cerejeira que havia num canto do pomar. Encostou-se a um ramo, aninhou-se, contorceu-se, e de tantos puxões intestinais acabou por ficar com o bico vermelho. O caso era grave, o desespero ouvia-se a quilómetros, largava uns valentes e poderoso gases-ventosos de mau cheiro. O pobre coitado borrava-se pelas pernas abaixo sem parar, e os gemidos de dor misturavam-se com as gargalhadas das peras. Estas, pela primeira vez, sentiam-se verdadeiramente felizes, por fazerem parte de um pomar de peras livres de melros fodilhões. O problema é que se cagou tanto, que criou uma nuvem radioactiva de maus cheiros, contaminou o terreno, obrigando o governo a decretar zona de calamidade ambiental. As peras acabaram por ficar infectadas e impróprias para consumo, apodreceram nas árvores e acabaram por cair de podres. Moral da história, muitas vezes basta um melro fodilhão para dar cabo de um pomar.

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