terça-feira, 13 de julho de 2010

A lebre que fodeu a tartaruga mata-mata

Uma tartaruga mata-mata atravessava a passadeira em frente ao zoo, regressava à jaula depois de uma licença de saída precária de curta duração, tinha tido um caso com uma jibóia que por sua vez acabou por fazer queixa às autoridades de que era vítima de maus tratos e violência psicológica. A tartaruga estava a agora a dar os primeiros passos no exterior, depois de passar três anos presa, num aquário de dimensões reduzidíssimas. Um carro de alta cilindrada descia a avenida a alta velocidade, ao seu volante, uma Lebre de pêlo branco importado.

Embriagada, não deu conta do semáforo verde para as tartarugas em geral, e obviamente, em particular para esta que atravessava calmamente a passadeira, acabou por apanhar o pobre animal mesmo a meio da estrada. O estrondo fazia adivinhar a gravidade do impacto. A tartaruga foi projectada um bom par de dezenas de metros, acabando por se estatelar inanimada dentro da jaula dos leões. Os gritos fizeram-se sentir, o zoo entrou em alvoroço, as avestruzes meteram a cabeça na areia, os ursos invernaram para dentro das suas tocas, os macacos, de galho em galho, gritavam gritos de horror, até as hienas perderam o seu sorriso, e pela primeira vez choraram em grupo. A tragédia tinha-se abatido no reino animal, e até as orcas assassinas, pela primeira vez recolheram ao fundo do seu pequeno oceano e por lá ficaram em gemidos de dor.

Com a chegada do INEM juntou-se-lhe a polícia, enquanto os médicos partiram em grande ligeireza para tentar salvar o pobre animal a polícia tentava repor a ordem emocional, criou uma zona de sinistro com um fita a delimitar a zona dos mirones. O Intendente Lopes da Silva, mais uma vez comandava com total agilidade e eficiência toda a intervenção das forças de segurança.
O mais grave, é que o médico de serviço do INEM dirigiu-se ao Agente Lopes da Silva e com ar desesperado diz-lhe que não havia corpo, apenas encontraram a carapaça com alguns sinais de violência.

Foi então que Lopes da Silva, rapou do seu cachimbo, lupa e bloco de notas, e com grande determinação na linguagem disse ao médico:
- meu amigo, dentro de mim vive um Sherlock Holmes, e se não há corpo, a partir de agora tudo farei para lhe arranjar um corpo para o senhor doutor fazer o seu trabalho. Agora, já não sou o agente Lopes da Silva, agora, sou o Detective Lopes da Silva ao serviço da República e da ordem.
- Ora então caro amigo Doutor onde foi visto pela última vez o corpo? Depois de se inteirar completamente dos factos, dirigiu-se para a jaula dos leões, tinha sido ali que várias testemunhas davam como certo a aterragem da infeliz.

Interrogados os reis da selva e as suas súbditas, apenas souberam dizer que viram realmente uma tartaruga na sua jaula, mas que nem sequer tiveram tempo de lhe dirigir a palavra. Quando iam tentar chegar à fala com a tartaruga, ela tirou a carapaça, colocou uma máscara e uma capa preta, e de uma forma verdadeiramente espantosa como se fosse uma mola, saltou por cima da rede a alta velocidade e desapareceu pela zona dos répteis. Tudo aponta que se tratava de uma tartaruga Ninja. Segundo Lopes da Silva, um leão com ar maricão, e com uma grande trunfa a cair-lhe pelos ombros, afiançou que lhe viu uma tatuagem com o símbolo de um gang muito conhecido no mundo do crime organizado, só não disse mais, com medo que a sua família sofresse represálias.

Lopes da Silva tomou os seus apontamentos, e com ar grave, proibiu qualquer saída da jaula sem o seu consentimento, prometendo voltar mais tarde. Ao abandonar a jaula, virou-se para trás e disse em tom grave:
- Essa história está mal contada. Voltarei! Para mim não há casos irresolúveis, palavra de escuteiro. (Lopes da Silva tinha sido escuteiro em miúdo) A lebre acabou por ser detida por roubo de automóvel do director do zoo, foi solta um pouco mais tarde, por não ter sido apresentada nenhuma queixa oficial na esquadra.

Ficou sem poder conduzir durante três meses, por conduzir debaixo do efeito de álcool e em substituição da pena de prisão de trinta dias, foi obrigado a fazer trabalho comunitário, faz agora trabalhos na biblioteca do zoo, e aos fins-de-semana, atravessa velhinhos na passadeira em frente ao zoo

-------------------------------------------------------------------------------------

1 comentário:

  1. Olá Sampaio Rego (ou será Joãosurreal?)
    Não importa e eu prometo que não conto a ninguém...
    O que importa mesmo é que hoje te vim visitar neste cantinho escondido onde descobri que guardas os teus tesouros, incluindo os respectivos comentários. Gostei imenso da ideia, pois assim, além de ser prático, não se perde pitada de coisa nenhuma e os teus comentários aos comentários, são verdadeiros textos cheios de virtuosidade e originalidade.

    Um beijo da tua fã do luso

    ResponderEliminar